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A fria guerra do cold brew

Como a Starbucks e a Luckin Coffee revelam as novas fronteiras da geopolítica do café

Publicado em: - 3 minutos de leitura

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Em meu último artigo, me referi à guerra tarifária entre Estados Unidos e China e como isso poderia implicar o produtor de café no Brasil. Enquanto a situação parece desescalar e decisões mais racionais estão sendo tomadas, o mercado do café parece continuar, ainda, em uma guerra fria de estratégias entre as maiores economias do planeta. Em menos de um mês, tivemos dois anúncios que carregam muito simbolismo nas estratégias de duas gigantes do mercado do grão.

Após dois anos de revisão, a Starbucks finalizou o processo de atualização de suas normas C.A.F.E. Practices. Com a atualização, a empresa busca ter um melhor controle dos cafés que vêm sendo prospectados em países produtores, como o Brasil. Este controle se dará através de uma demanda maior por informações dos fornecedores, controles de campo para verificar e validar as informações fornecidas em todas as regiões fornecedoras de café e, ainda, uma avaliação das práticas correntes da indústria. 

A verificação será escalonada e implementada nos próximos anos. A fase inicial consiste na eliminação de produtores que infringem as práticas básicas, o que representa uma série de indicadores mais urgentes e inegociáveis, chamados de ‘‘Tolerância Zero”. A segunda fase, de transição para uma quantidade maior de novas práticas, verificará o cumprimento de indicadores principais, mas que não são eliminatórios e serão exigidos ainda este ano. As novas normas am a ser obrigatórias para os produtores e, caso alguma não conformidade ocorra, ela deve ser reparada até o próximo controle agendado com o produtor. A terceira e última fase avalia a implementação e o cumprimento efetivo de todo o programa.  

O conjunto de normas da Starbucks completa dez anos em 2025, e desde o seu lançamento, muita coisa mudou. O consumidor ficou mais exigente e os casos de violações de normas trabalhistas no campo aram a ganhar maior repercussão e menor tolerância por parte da sociedade. 

Por outro lado, uma de suas maiores concorrentes no mercado parece também estar agindo com muita atenção com o produtor brasileiro, porém, com uma estratégia diametralmente oposta. A empresa chinesa Luckin Coffee anunciou, durante uma missão diplomática brasileira à China, uma parceria para promover o café brasileiro no gigantesco mercado asiático. Os detalhes da parceria ainda precisam ser esclarecidos, mas um café temático em homenagem ao Brasil já foi aberto em Pequim em maio. 

É importante lembrar que, durante a cúpula do G20 de 2024, realizada no Rio de Janeiro, representantes da Apex haviam anunciado a compra de US$ 2,5 bilhões em café brasileiro pelos chineses da Luckin Coffee, o equivalente a algo em torno de 4 milhões de sacas ou 66% do consumo anual local.

Fica claro que uma parte significativa das relações comerciais da Luckin Coffee com o Brasil prospera, principalmente, com o apoio do enorme fluxo comercial entre os países, com um mercado  crescendo exponencialmente e com a boa relação entre agentes públicos dos governos nacionais. A Luckin Coffee ainda não entende o mercado interno brasileiro como central na sua estratégia comercial. Pois, apesar dos acordos firmados, a rede de cafeterias ainda não tem nenhuma loja física no Brasil e nem anunciou se abrirá alguma. 

Por outro lado, a Starbucks representa um mercado ocidental mais maduro. A empresa deixa claro seu desejo de estar integrada e próxima tanto do produtor como do consumidor e, portanto, mais sensível às críticas recebidas. Fica clara a vontade da empresa de Seattle de se distanciar dos casos de violações trabalhistas nos campos brasileiros e aumentar o nível de exigência aos seus fornecedores. Ela parece ter compreendido que mudanças são necessárias e que o nível de exigência anterior já não é suficiente. Foi delimitado um longo caminho a ser seguido, e esperamos que a cadeia estará melhor ao final dele.

No grande duelo entre duas potências econômicas, o café e o produtor brasileiros têm tudo para saírem vencedores. No entanto, o alinhamento automático às ideologias e governos parece ser mais do que contraprodutivo e, também, contraditório. Antes de mais nada, é preciso se perguntar que futuro queremos para a produção brasileira e que tipo de sociedade estamos construindo nos nossos campos. Além disso, é preciso que o consumidor esteja atento ao seu poder de transformação, longe de alinhamentos automáticos e da persistente demagogia.

O que anda em evidência é a disputa pelo consumidor dos cafés gelados, extremamente importante para as duas empresas. Mas, também, a frieza e competência na elaboração das estratégias, e claro, a disputa entre Estados Unidos e China, envolvendo todo o mundo em uma nova guerra fria.

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Material escrito por:

Gustavo Magalhães Paiva

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Após dois anos de revisão, a Starbucks finalizou o processo de atualização de suas normas C.A.F.E. Practices. Com a atualização, a empresa busca ter um melhor controle dos cafés que vêm sendo prospectados em países produtores, como o Brasil. Este controle se dará através de uma demanda maior por informações dos fornecedores, controles de campo para verificar e validar as informações fornecidas em todas as regiões fornecedoras de café e, ainda, uma avaliação das práticas correntes da indústria. 

A verificação será escalonada e implementada nos próximos anos. A fase inicial consiste na eliminação de produtores que infringem as práticas básicas, o que representa uma série de indicadores mais urgentes e inegociáveis, chamados de ‘‘Tolerância Zero”. A segunda fase, de transição para uma quantidade maior de novas práticas, verificará o cumprimento de indicadores principais, mas que não são eliminatórios e serão exigidos ainda este ano. As novas normas am a ser obrigatórias para os produtores e, caso alguma não conformidade ocorra, ela deve ser reparada até o próximo controle agendado com o produtor. A terceira e última fase avalia a implementação e o cumprimento efetivo de todo o programa.  

O conjunto de normas da Starbucks completa dez anos em 2025, e desde o seu lançamento, muita coisa mudou. O consumidor ficou mais exigente e os casos de violações de normas trabalhistas no campo aram a ganhar maior repercussão e menor tolerância por parte da sociedade. 

Por outro lado, uma de suas maiores concorrentes no mercado parece também estar agindo com muita atenção com o produtor brasileiro, porém, com uma estratégia diametralmente oposta. A empresa chinesa Luckin Coffee anunciou, durante uma missão diplomática brasileira à China, uma parceria para promover o café brasileiro no gigantesco mercado asiático. Os detalhes da parceria ainda precisam ser esclarecidos, mas um café temático em homenagem ao Brasil já foi aberto em Pequim em maio. 

É importante lembrar que, durante a cúpula do G20 de 2024, realizada no Rio de Janeiro, representantes da Apex haviam anunciado a compra de US$ 2,5 bilhões em café brasileiro pelos chineses da Luckin Coffee, o equivalente a algo em torno de 4 milhões de sacas ou 66% do consumo anual local.

Fica claro que uma parte significativa das relações comerciais da Luckin Coffee com o Brasil prospera, principalmente, com o apoio do enorme fluxo comercial entre os países, com um mercado  crescendo exponencialmente e com a boa relação entre agentes públicos dos governos nacionais. A Luckin Coffee ainda não entende o mercado interno brasileiro como central na sua estratégia comercial. Pois, apesar dos acordos firmados, a rede de cafeterias ainda não tem nenhuma loja física no Brasil e nem anunciou se abrirá alguma. 

Por outro lado, a Starbucks representa um mercado ocidental mais maduro. A empresa deixa claro seu desejo de estar integrada e próxima tanto do produtor como do consumidor e, portanto, mais sensível às críticas recebidas. Fica clara a vontade da empresa de Seattle de se distanciar dos casos de violações trabalhistas nos campos brasileiros e aumentar o nível de exigência aos seus fornecedores. Ela parece ter compreendido que mudanças são necessárias e que o nível de exigência anterior já não é suficiente. Foi delimitado um longo caminho a ser seguido, e esperamos que a cadeia estará melhor ao final dele.

No grande duelo entre duas potências econômicas, o café e o produtor brasileiros têm tudo para saírem vencedores. No entanto, o alinhamento automático às ideologias e governos parece ser mais do que contraprodutivo e, também, contraditório. Antes de mais nada, é preciso se perguntar que futuro queremos para a produção brasileira e que tipo de sociedade estamos construindo nos nossos campos. Além disso, é preciso que o consumidor esteja atento ao seu poder de transformação, longe de alinhamentos automáticos e da persistente demagogia.

O que anda em evidência é a disputa pelo consumidor dos cafés gelados, extremamente importante para as duas empresas. Mas, também, a frieza e competência na elaboração das estratégias, e claro, a disputa entre Estados Unidos e China, envolvendo todo o mundo em uma nova guerra fria.

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